Numa pequena casa construída à
beira da floresta, uma piedosa camponesa conhecida por sua ardente devoção à
Santíssima Virgem.
Durante anos empenhou-se em
mais amá-La e melhor conhecê-La. Para isso, rezava muito e lia tudo o que a
respeito d’Ela haviam escrito os Santos. E quanto mais rezava, mais lhe crescia
a devoção, e quanto mais lia, mais lhe aumentava a sede de conhecer. Um dia, ficou
profundamente impressionada ao ler no Novo Testamento esta passagem de São
Paulo: “Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração
humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam”
(1 Cor 2, 9). Após muito considerar, chegou à seguinte conclusão: “Sim, nada do
que se escreve sobre a Virgem é suficiente. Oh, se eu pudesse vê-La com meus
próprios olhos!”
E desde então essa idéia não
mais lhe saiu da mente. Com esse anseio ela despertava e adormecia. E mesmo
durante os trabalhos, por vezes um suspiro lhe saía dos lábios: “Se ao menos
pudesse vê-La uma vez!” Já não tinha outra intenção em suas infindáveis
orações, e tanto golpeou as portas celestes que elas por fim se abriram...
Uma noite, o humilde quarto da
ardorosa camponesa enche-se de intensa luz. Acordando sobressaltada, ela vê
diante de si uma figura angélica que lhe diz:
— Sou teu Anjo da Guarda! A
Rainha do Céu ouviu tuas insistentes orações e deseja atender-te. Contudo, para
teres o imerecido dom de, ainda em vida, contemplá-La face a face, é necessário
que ofereças um duro sacrifício: o de perder tua vista direita. Estás disposta
a fazê-lo?
Só isso?! — pensa a camponesa.
E logo responde:
— Mas claro! Aceito com
alegria!
O anjo então inclina-se, abre
os braços e milagrosamente desaparecem as paredes da casa, a luz redobra de
intensidade, um inefável perfume impregna o ar e uma maravilhosa música se faz
ouvir...
Oh! maravilha! Precedida por
uma coorte de anjos, surge a Mãe de Deus. Com maternal bondade, Ela olha para a camponesa e... sorri! O mais belo de todos os sorrisos que já houve e haverá... A
afortunada camponesa está fora de si de alegria. Passado um breve instante, a
fulgurante luz começa a diminuir, a visão lentamente se desvanece e a camponesa
fica sozinha na escuridão da noite.
Tanta era sua felicidade que
essa noite não dormiu. Jamais algo ficara tão bem gravado em sua memória. E só
quando os primeiros raios da madrugada entraram por sua janela percebeu que já
não enxergava do olho direito.
Todos se compadeceram do
infortúnio daquela jovem que se deitara sã e inexplicavelmente despertara cega
de um olho. E admiravam-se de não vê-la triste, mas, pelo contrário, mais contente
do que nunca. A camponesa a ninguém revelou o que se passara naquela noite.
Transcorreram assim os dias e
os meses. Sempre feliz, a camponesa vivia da lembrança daquele inesquecível
momento em que, diante de seus olhos, o céu baixara à terra. Aprendeu a
suportar o incômodo de ter só uma vista, e quando sofria algum tropeço ou
acidente por causa de sua limitada visão, logo pensava: “Sim, valeu a pena!
Isso não é nada em comparação com aquele inefável sorriso!”
Entretanto, com o passar dos
anos sua alegria foi aos poucos se misturando com certa dor. A camponesa sentia
saudades daquele olhar indescritível. Qualquer maravilha que encantava as suas
amigas para ela parecia sem expressão. As belas cores do pôr-do-sol, a matizada
luz dos vitrais, nada eram em comparação com a celestial face da Virgem Maria.
E todas as flores que cobriam os montes na primavera nem de longe tinham o
perfume que invadira sua cela naquela bendita noite.
Em seu coração renasceu o
antigo desejo: “Se eu pudesse vê-La novamente!...” E pôs-se a rezar com
redobrada insistência, pedindo que mais uma vez lhe fosse concedida a
incomparável graça.
E eis que, do mesmo modo como havia
se passado anos antes, seu quarto foi invadido pela sobrenatural luz que
prenunciava a aparição do anjo.
— Aqui me tens de volta! Se
queres mesmo ver de novo a Virgem Santíssima, sabe que isso irá custar-te outro
sacrifício, maior do que o primeiro: estás disposta a oferecer a vista que te
resta?
Em um momento, a camponesa
lembrou-se de todas as agruras e dificuldades que lhe ocasionou a falta de um
olho. Agora, ficar completamente cega! No entanto, seu amor foi mais forte, e
com vigor respondeu:
— Sim, aceito! Ver Nossa
Senhora mais uma vez, ainda que seja por poucos segundos, bem vale a dor de
ficar cega o resto da vida!
E tal como se passara na vez
anterior, pôde ela contemplar por alguns instantes o celeste rosto da Mãe de
Deus. Que alegria, que felicidade!
Sozinha na escuridão de seu
quarto, demorou-se largo tempo deleitando-se com a lembrança do que acabara de
ver, e só no meio da madrugada lembrou-se: “Agora devo preparar-me para levar a
vida de cega”. E num misto de alegria e resignação, fixando na memória o gáudio
passado e prevendo a dor futura, adormeceu.
Na manhã seguite, levantou-se
com rapidez, e qual não foi sua surpresa ao se dar conta de que continuava a
ver! E mais, com os dois olhos! Abriu a janela, e com satisfação viu os campos
verdejantes, o azul do céu e as flores do jardim. A vista que perdera
anteriormente lhe havia sido restituída!... Chorando de alegria e gratidão,
correu à igreja para dar graças.
O demônio, pai da mentira,
nunca dá o que promete. Deus, pelo contrário, sempre dá além do que esperamos.
E Nossa Senhora, segundo diz um adágio, retribui com um boi a quem Lhe dá um ovo.
Não há que temer entregar-se a Deus! Pois, segundo Ele mesmo disse, “o meu jugo
é suave, e meu peso é leve”. Esse milagroso fato nos ensina a cada vez mais
amar e confiar em Maria Santíssima, nossa Mãe e Senhora!
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