• quinta-feira, 10 de abril de 2014

    A camponesa cega de um olho

    Numa pequena casa construída à beira da floresta, uma piedosa camponesa conhecida por sua ardente devoção à Santíssima Virgem.
    Durante anos empenhou-se em mais amá-La e melhor conhecê-La. Para isso, rezava muito e lia tudo o que a respeito d’Ela haviam escrito os Santos. E quanto mais rezava, mais lhe crescia a devoção, e quanto mais lia, mais lhe aumentava a sede de conhecer. Um dia, ficou profundamente impressionada ao ler no Novo Testamento esta passagem de São Paulo: “Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1 Cor 2, 9). Após muito considerar, chegou à seguinte conclusão: “Sim, nada do que se escreve sobre a Virgem é suficiente. Oh, se eu pudesse vê-La com meus próprios olhos!”
    E desde então essa idéia não mais lhe saiu da mente. Com esse anseio ela despertava e adormecia. E mesmo durante os trabalhos, por vezes um suspiro lhe saía dos lábios: “Se ao menos pudesse vê-La uma vez!” Já não tinha outra intenção em suas infindáveis orações, e tanto golpeou as portas celestes que elas por fim se abriram...
    Uma noite, o humilde quarto da ardorosa camponesa enche-se de intensa luz. Acordando sobressaltada, ela vê diante de si uma figura angélica que lhe diz:
    — Sou teu Anjo da Guarda! A Rainha do Céu ouviu tuas insistentes orações e deseja atender-te. Contudo, para teres o imerecido dom de, ainda em vida, contemplá-La face a face, é necessário que ofereças um duro sacrifício: o de perder tua vista direita. Estás disposta a fazê-lo?
    Só isso?! — pensa a camponesa. E logo responde:
    — Mas claro! Aceito com alegria!
    O anjo então inclina-se, abre os braços e milagrosamente desaparecem as paredes da casa, a luz redobra de intensidade, um inefável perfume impregna o ar e uma maravilhosa música se faz ouvir...
    Oh! maravilha! Precedida por uma coorte de anjos, surge a Mãe de Deus. Com maternal bondade, Ela olha para a camponesa e... sorri! O mais belo de todos os sorrisos que já houve e haverá... A afortunada camponesa está fora de si de alegria. Passado um breve instante, a fulgurante luz começa a diminuir, a visão lentamente se desvanece e a camponesa fica sozinha na escuridão da noite.
    Tanta era sua felicidade que essa noite não dormiu. Jamais algo ficara tão bem gravado em sua memória. E só quando os primeiros raios da madrugada entraram por sua janela percebeu que já não enxergava do olho direito.
    Todos se compadeceram do infortúnio daquela jovem que se deitara sã e inexplicavelmente despertara cega de um olho. E admiravam-se de não vê-la triste, mas, pelo contrário, mais contente do que nunca. A camponesa a ninguém revelou o que se passara naquela noite.
    Transcorreram assim os dias e os meses. Sempre feliz, a camponesa vivia da lembrança daquele inesquecível momento em que, diante de seus olhos, o céu baixara à terra. Aprendeu a suportar o incômodo de ter só uma vista, e quando sofria algum tropeço ou acidente por causa de sua limitada visão, logo pensava: “Sim, valeu a pena! Isso não é nada em comparação com aquele inefável sorriso!”
    Entretanto, com o passar dos anos sua alegria foi aos poucos se misturando com certa dor. A camponesa sentia saudades daquele olhar indescritível. Qualquer maravilha que encantava as suas amigas para ela parecia sem expressão. As belas cores do pôr-do-sol, a matizada luz dos vitrais, nada eram em comparação com a celestial face da Virgem Maria. E todas as flores que cobriam os montes na primavera nem de longe tinham o perfume que invadira sua cela naquela bendita noite.
    Em seu coração renasceu o antigo desejo: “Se eu pudesse vê-La novamente!...” E pôs-se a rezar com redobrada insistência, pedindo que mais uma vez lhe fosse concedida a incomparável graça.
    E eis que, do mesmo modo como havia se passado anos antes, seu quarto foi invadido pela sobrenatural luz que prenunciava a aparição do anjo.
    — Aqui me tens de volta! Se queres mesmo ver de novo a Virgem Santíssima, sabe que isso irá custar-te outro sacrifício, maior do que o primeiro: estás disposta a oferecer a vista que te resta?
    Em um momento, a camponesa lembrou-se de todas as agruras e dificuldades que lhe ocasionou a falta de um olho. Agora, ficar completamente cega! No entanto, seu amor foi mais forte, e com vigor respondeu:
    — Sim, aceito! Ver Nossa Senhora mais uma vez, ainda que seja por poucos segundos, bem vale a dor de ficar cega o resto da vida!
    E tal como se passara na vez anterior, pôde ela contemplar por alguns instantes o celeste rosto da Mãe de Deus. Que alegria, que felicidade!
    Sozinha na escuridão de seu quarto, demorou-se largo tempo deleitando-se com a lembrança do que acabara de ver, e só no meio da madrugada lembrou-se: “Agora devo preparar-me para levar a vida de cega”. E num misto de alegria e resignação, fixando na memória o gáudio passado e prevendo a dor futura, adormeceu.
    Na manhã seguite, levantou-se com rapidez, e qual não foi sua surpresa ao se dar conta de que continuava a ver! E mais, com os dois olhos! Abriu a janela, e com satisfação viu os campos verdejantes, o azul do céu e as flores do jardim. A vista que perdera anteriormente lhe havia sido restituída!... Chorando de alegria e gratidão, correu à igreja para dar graças.

    O demônio, pai da mentira, nunca dá o que promete. Deus, pelo contrário, sempre dá além do que esperamos. E Nossa Senhora, segundo diz um adágio, retribui com um boi a quem Lhe dá um ovo. Não há que temer entregar-se a Deus! Pois, segundo Ele mesmo disse, “o meu jugo é suave, e meu peso é leve”. Esse milagroso fato nos ensina a cada vez mais amar e confiar em Maria Santíssima, nossa Mãe e Senhora! 

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